quinta-feira, dezembro 28, 2006

AQUECIMENTO GLOBAL 3

Está para saír em Fevereiro o relatório da UN sobre "climate changing".
Para quem não acredita que é necessário fazer alguma coisa, aí vai o sumário do relatório de 2001.

The Third Assessment Report of Working Group I of the Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) builds upon past assessments and incorporates new results from the past five years of research on climate change. Many hundreds of scientists from many countries participated in its preparation and review.
This Summary for Policymakers (SPM), which was approved by IPCC member governments in Shanghai in January 2001, describes the current state of understanding of the climate system and provides estimates of its projected future evolution and their uncertainties. Further details can be found in the underlying report, and the appended Source Information provides cross references to the report's chapters.

An increasing body of observations gives a collective picture of a warming world and other changes in the climate system.

Since the release of the Second Assessment Report (SAR), additional data from new studies of current and palaeoclimates, improved analysis of data sets, more rigorous evaluation of their quality, and comparisons among data from different sources have led to greater understanding of climate change.
The global average surface temperature has increased over the 20th century by about 0.6°C.
The global average surface temperature (the average of near surface air temperature over land, and sea surface temperature) has increased since 1861. Over the 20th century the increase has been 0.6 ± 0.2°C ( This value is about 0.15°C larger than that estimated by the SAR for the period up to 1994, owing to the relatively high temperatures of the additional years (1995 to 2000) and improved methods of processing the data. These numbers take into account various adjustments, including urban heat island effects. The record shows a great deal of variability; for example, most of the warming occurred during the 20th century, during two periods, 1910 to 1945 and 1976 to 2000.
Globally, it is very likely7that the 1990s was the warmest decade and 1998 the warmest year in the instrumental record, since 1861.
New analyses of proxy data for the Northern Hemisphere indicate that the increase in temperature in the 20th century is likely to have been the largest of any century during the past 1,000 years. It is also likely that, in the Northern Hemisphere, the 1990s was the warmest decade and 1998 the warmest year. Because less data are available, less is known about annual averages prior to 1,000 years before present and for conditions prevailing in most of the Southern Hemisphere prior to 1861.
On average, between 1950 and 1993, night-time daily minimum air temperatures over land increased by about 0.2°C per decade. This is about twice the rate of increase in daytime daily maximum air temperatures (0.1°C per decade). This has lengthened the freeze-free season in many mid- and high latitude regions. The increase in sea surface temperature over this period is about half that of the mean land surface air temperature.

Temperatures have risen during the past four decades in the lowest 8 kilometres of the atmosphere.

Since the late 1950s (the period of adequate observations from weather balloons), the overall global temperature increases in the lowest 8 kilometres of the atmosphere and in surface temperature have been similar at 0.1°C per decade.
Since the start of the satellite record in 1979, both satellite and weather balloon measurements show that the global average temperature of the lowest 8 kilometres of the atmosphere has changed by +0.05 ± 0.10°C per decade, but the global average surface temperature has increased significantly by +0.15 ± 0.05°C per decade. The difference in the warming rates is statistically significant. This difference occurs primarily over the tropical and sub-tropical regions.
The lowest 8 kilometres of the atmosphere and the surface are influenced differently by factors such as stratospheric ozone depletion, atmospheric aerosols, and the El Niño phenomenon. Hence, it is physically plausible to expect that over a short time period (e.g., 20 years) there may be differences in temperature trends. In addition, spatial sampling techniques can also explain some of the differences in trends, but these differences are not fully resolved.

Snow cover and ice extent have decreased.

Satellite data show that there are very likely to have been decreases of about 10% in the extent of snow cover since the late 1960s, and ground-based observations show that there is very likely to have been a reduction of about two weeks in the annual duration of lake and river ice cover in the mid- and high latitudes of the Northern Hemisphere, over the 20th century.
There has been a widespread retreat of mountain glaciers in non-polar regions during the 20th century.
Northern Hemisphere spring and summer sea-ice extent has decreased by about 10 to 15% since the 1950s. It is likely that there has been about a 40% decline in Arctic sea-ice thickness during late summer to early autumn in recent decades and a considerably slower decline in winter sea-ice thickness.

Global average sea level has risen and ocean heat content has increased.

Tide gauge data show that global average sea level rose between 0.1 and 0.2 metres during the 20th century.
Global ocean heat content has increased since the late 1950s, the period for which adequate observations of sub-surface ocean temperatures have been available.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

MUSICA1

Hoje acordei particularmente nostálgico.
Ainda a manhã não tinha acabado e, um amigo enviou-me o novo CD do Ruy Mingas ( memórias).
Estou a ouvi-lo e os sonhos e as saudades correm à desfilada.

Vem-me à cabeça este texto que não tem nada a ver com música. Ou terá?

Sempre me incomodou esta treta da cor da pele. Ser africano e mais concretamente angolano, não tem do meu ponto de vista, absolutamente nada a ver com as demãos de cada um. Se a mim só me deram uma demão de tinta, isso não me faz sentir europeu. Deixo-vos um excerto, que comentarão se assim o entenderem.Embora se trate de um texto, que não é meu, pareceu-me que neste contexto, o famigerado copy-paste, tem aqui razão de ser. Nem sequer me revejo totalmente nestas teses, mas pareceu-me um bom principio para discutirmos estes factos, que afligem tanta gente, neste inicio de século XXI. Boas Festas.
...neste sentido, o nacionalismo dos brancos africanos não foi um fenómeno marginal na história de África, tão-pouco de Angola, ainda que o seu estudo tenha sido largamente neglicenciado por intelectuais, académicos e politicos. No entanto, o nacionalismo dos brancos angolanos foi rejeitado pelas elites negras e mestiças dos movimentos de libertação. Para essa rejeição contribui poderosamente a instrumentalização da ideia de raça. A ideia de raça é uma invenção dos tempos modernos e não encontra uma confirmação empirica objectiva, isto é, não há raças biológicas, mas apenas raças inventadas sociológicamente, segundo as ideologias dominantes em determinado tempo e espaço.Na realidade a ideia moderna de raça surgiu no contexto cultural europeu e foi exportada para o resto do planeta juntamente com duas outras ideias que marcaram a modernidade ocidental: as ideias de classe e de nação.... A ideia de classe propunha uma aliança de grupo baseada na posição comum perante a propriedade dos meios de produção. Mas a construção de consciência colectiva de classe não se mostrou uma tarefa fácil e não obteve os resultados inicialmente esperados. A ideia de raça considerava que cada tipo racial tomaria posse do território que naturalmente lhe fosse mais adequado, mas esta noção deu lugar à crença de que os brancos tinham uma superioridade inata que lhes permitia estabelecer e dominar todas as regiões do globo. Contudo, os êxodos maciços das populações brancas nas vésperas ou na sequência das independências asiáticas e africanas vieram demonstrar precisamente o contrário!

segunda-feira, dezembro 18, 2006

AQUECIMENTO GLOBAL 2


Aparentemente muito pouca gente se importa com o que acontece ao planeta.Ouvi há pouco uma notícia estarrecedora.Dentro de 35 anos, toda a neve do Árctico desaparecerá durante o verão. Imaginem o que vem por aí. Claro que quem pode fazer alguma coisa nesta militancia, já o faz e possívelmente a ajuda é preciosa. No entanto a maioria mete a cabeça na areia ou não acredita. A desculpa é sempre a mesma. Se os países mais culpados não o fazem, porque haveremos de ser nós individualmente a fazê-lo?Pois é. Chama-se a isto militancia pura e dura. Com os nossos gestos diários, fazer o processo mudar de rumo. Além do mais, relembrar a todos os que nos ouvem que o protocolo de Kioto anda por aí e que apesar de tudo vai cada vez mais sendo cumprido.

Um abraço

quinta-feira, dezembro 14, 2006

MUSICA

O meu pai, quando os Beatles apareceram ( ele que era um inveterado amante de música clássica), ficou desgostoso com o meu apreço pelos mesmos. Isso é música de tchingufe dizia ele.
Muitos anos volvidos, quando eu já tinha aprendido a gostar de música clássica, rendeu-se.
Afinal tinhas alguma razão. Os Beatles não são nada maus!
Vem isto a propósito do aparecimento do album LOVE. Um luxo.
Ouçam-no e desfrutem.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

FOTOGRAFIAS 3

MAR
NINHOS RADICAIS

quinta-feira, novembro 30, 2006

O MEU AMIGO JOAQUIM

O MEU AMIGO JOAQUIM

Decisões não são para se tomar com o coração, mas com a cabeça. É lá que se fabricam os sonhos.

O verão terminou, pelo menos para mim. Não oficialmente, nada de datas no calendário. Foi uma decisão interior, assumida, responsável.

Hoje, levantei-me bem disposto, lavei-me, tomei o pequeno almoço, e saí. Quando assomei à porta da rua, o dia estava cinzento, triste, mais frio que no dia anterior. E chovia, uma chuva miudinha, de mentira, daquelas que aqui, ficam por longo tempo.
Não fiz de propósito, mas naqueles segundos em que tinha de tomar a decisão de voltar a casa, para vestir roupa mais quente, e apanhar o guarda chuva, a minha mente encheu-se de imagens antigas de luz e cor e de chuva bravia, e senti a saudade imensa de um calor antigo, bem conhecido, na minha pele.
Nesse momento nasceu a ideia de escrever esta história. É de ficção, juro, mas garanto que é mais real do que muitas coisas que aconteceram já.
Aos quinze anos o Joaquim era um rapaz igual com os outros. Ou pelo menos assim pensava eu.
Nada o distinguia, nenhum traço peculiar, exterior ou na alma.
Como todos nós, ouvia os Beach Boys, tinha a camisa de Macau bem arregaçada nas mangas e o colarinho levantado, ia derramar todo o seu charme à saída da missa e esperava ansioso a chegada das férias, pensando nas mais loucas aventuras. Principalmente, tinha rebaixado o guiador da mota, e espetava os sapatos em direcção ao chão. Eram os anos sessenta, e nós eramos seus habitantes de pleno direito.
Nada, mas mesmo nada fazia prever que o Joaquim se iria diferenciar de todos nós.
Mas um dia, após um jogo de futebol, daqueles que já não existem, e já depois de termos discutido ao pormenor todas as reviengas e ocasionais bassulas, naquela altura em que o sol está apenas morno, diz-me com o ar mais displicente do mundo:

- Esta vida não me serve! Deve haver, há de certeza coisa melhor do que isto. Há janelas no céu, que desconhecemos por completo, que nem sequer sabemos onde estão e como se abrem. Preciso de encontrar as chaves e correr esse mundo de que só oiço falar. Se não saio daqui, vou-me cafrializar, como tantos que conhecemos!
Confesso, que me apanhou desprevenido. Fiquei sem fala a olhar para ele. Fiz um gesto vago, para preencher o vazio que se tinha feito em nosso redor, despedi-me e rumei para casa; além do mais, não sabia bem o que queria dizer “cafrializar” nem conhecia ninguém que se tivesse tornado assim, soube-o depois, uma espécie de zombie da cultura. Nessa noite dormi mal, aquelas palavras teimavam em ecosoar dentro da minha cabeça.
Acordei acabrunhado, e a pensar que eventualmente o Joaquim tinha razão. Jogar futebol, ir às saídas da missa tentar um engate, ir noite após noite ver passar o combóio mala, fumar umas biatas às escondidas, parecia-me agora pouco, apesar de achar que a nossa vida não era só isso. Vivíamos numa terra maravilhosa, tranquilamente, sem stress, livres de drogas, podia telefonar para o rádio –clube e pedir que pusessem o “Ma Vie”, com destinatário. Além do mais lia muito, da enorme biblioteca que os meus pais tinham, muitas vezes até livros que eles não me recomendariam. Mas antes de tudo, decidi saber o que era ao certo cafrializar.
Dicionarizei-me e lá rezava assim: “tornar-se num cafre”.
Tenho dúvidas ainda hoje que isso fosse mau, mas apesar de tudo... Cafrializar-me? Nunca tal me passou pela cabeça. É verdade que nunca tinha visto a Pietá do Miguel Angelo, nem a grande muralha da China, mas sempre achei que sabíamos o que se passava no mundo, e que o acesso à “cultura ocidental” era relativamente fácil.
Mas muito para além da minha vontade, a dúvida instalou-se, amargurou-me durante algum tempo; havia de facto um mundo lá fora à nossa espera e se calhar nós estávamos a passar ao lado.
Depois, a adolescência sobrepôs-se, o tempo apaziguou o resto e tudo passou para um local adormecido do meu cérebro. O Joaquim talvez por pudor, e por ter visto a minha estupefacção, não me voltou a tocar no assunto.
Chegado o tempo certo, cada um rumou à sua vida, e passaram quase trinta anos antes que o visse de novo.
Espantoso! Não o reconheci. O adolescente meu amigo estava velho, cheio de rugas, alguns cabelos brancos, uma discreta calvície a instalar-se e tendencialmente obeso. Mas aquilo, que verdadeiramente me perturbou, foi verificar que o meu velho amigo Joaquim não tinha um ar completamente feliz.
No meio da amena cavaqueira, recordando episódios da outra margem do fosso do tempo, fez-me uma pergunta e sem o saber voltou a acordar em mim um fantasma de trinta anos, como se de facto o tempo tivesse congelado até ao presente:
- Henrique, provavelmente não te vais recordar, mas há uma eternidade atrás, tivemos uma conversa. Desde aí, tirei o meu curso, casei, tenho dois filhos, não tenho problemas de dinheiro, viajo frequentemente, conheço meio mundo, estou actualizado em todas as áreas que me dão prazer, mas a verdade é que ainda não consegui estar completamente bem comigo mesmo. Consegues ao menos tu, agora, explicar-me o que se passa?
Pela segunda vez, fiquei paralisado de espanto. Fiz o mesmo gesto vago de há trinta anos, balbuciei meia dúzia de frases feitas e mudei de conversa. E naquele recanto escondido do meu cérebro, reapareceu aquela cena que tanto me havia perturbado.

Agora, algum tempo depois, mais tranquilo, sem o ter à minha frente, e com a certeza das coisas que só os anos nos podem dar, posso explicar ao Joaquim o que lhe (nos) aconteceu, na certeza de que ele me vai compreender.
Ele que me perdoe, mas há respostas que não podem ser dadas directamente. O afecto entre ambos impede que assim seja.

Em 1978, abandonei toda a minha vida aqui e sem nenhuma garantia regressei a Angola, ao Lobito. Era na altura o único médico português da Província de Benguela e tinha à minha responsabilidade o Hospital do C.F.B. e toda a imensa população que me procurava. Ao fim de dois anos tinham passado por nós 45.000 pessoas e eu tinha emagrecido oito quilos.
Deparei-me com toda a série de dificuldades.
Morriam-me miúdos todos os dias, apesar de pensar que fiz a diferença, pois salvei muitos. Obriguei o meu pai, a fazer preparados heróicos do tempo dele, pois os medicamentos convencionais há muito tinham desaparecido. Mediquei os meus pacientes com coisas que nunca quis saber o que eram.
Dei consultas debaixo de palmeiras, com bichas imensas de doentes que me aguardavam, em diversas localidades ao longo da linha, onde me deslocava periodicamente, na esperança de poder de alguma maneira ser útil, e minorar o sofrimento daquele povo.
Fui ao Cubal, ao nosso Cubal, e só vi miséria e casas destruídas e gente a explodir de fome. De tal modo foi doloroso, que só a muito custo, consegui reconhecer a minha terra. Onde antes havia sisal, apenas uma imensa planície vermelha sem mais nada a não ser o pó, levantado por aqueles que aparentemente vagueavam sem destino..
Vi coisas que um ser humano, jamais deveria ver.
Raptei miúdos dos centros de acolhimento, às dezenas (ninguém se preocupava com eles), durante a noite, e levei-os para o Hospital para que não morressem de fome. Depois quando aqueles já tinham condições de sobreviver, ia buscar outros. Nunca ninguém chegou a aperceber-se desta situação, tal era o desinteresse que demonstravam por aqueles miúdos. Nunca perceberam que estavam a hipotecar o futuro.
Enfrentei as autoridades, com algum risco pessoal para lhes sacar algumas toneladas de leite que de outro modo iam engordar a burguesia dominante.
Chorei muitas vezes, quando morriam miúdos no meu colo, de doenças de que já ninguém morre, e morreram mais do que aqueles que eu alguma vez conseguirei aguentar. Bati a morte muitas vezes, apesar de reconhecer que ela me venceu em muitas mais batalhas.
Fui politicamente posto de lado pela única razão de ser branco.
Ficaram a dever-me, praticamente todos os ordenados a que tinha direito.
E, ao fim de dois anos, perto do esgotamento, e também porque achei que não tinha o direito de sacrificar os meus filhos, cedi e vim-me embora.
Aqui, reconstruí a minha carreira e a minha vida. Perdoem-me a imodéstia, mas dizem que sou bom naquilo que faço.

Meu querido Joaquim, chegou agora a altura de te dizer, o que é que eu acho mais importante.
Quando faço o balanço da minha vida, afirmo sem hesitar, que apesar de todas as dificuldades, apesar da grande amargura e de todos os sonhos terríveis que continuo a ter, aqueles foram os dois anos mais felizes que tive. Nunca mais voltei a sentir aquilo que na altura senti.
Apesar de tudo, estava na minha terra (embora sempre tenham tentado fazer-me crer que não era assim), sentia diariamente a carícia na pele, do calor do fim do dia, não precisava de imaginar os sons e os aromas, eles estavam entranhados naturalmente, e também naturalmente continuei a ir ver o combóio mala, o tal que faz parte do imaginário de todos nós, pelas mais diversas razões, que todos têm explicado.
Por mim, já o disse, transportava mercadorias, passageiros, cavalgava por terras míticas da minha pátria, lugares que posteriormente conheci, e que nem por isso deixaram de ser fantásticos, mas fundamentalmente transportava os nossos sonhos.
E os meus, confesso agora, nunca passaram por vir viver para um continente que me limita, onde não me compreendem e me acham um animal esquisito, só porque gosto de cores fortes, puras, de música pouco convencional para um médico, e onde não apreciam de todo a alegria com que falo da minha terra.
Meu querido amigo, apesar de já ter visto a Pietá, de ter estado longo tempo frente a frente com a Gioconda, apesar de já ter tocado com as minhas mãos na Vénus de Milo e de ter visto o esqueleto da Lucy on Sky, ou mais prosaicamente, como diz um amigo comum, de ter estado no cimo do Empire State Building, com Nova Iorque a meus pés, apesar de ter sido envolvido pela solidão única do Sara, hoje voltaria sem hesitar, largaria tudo o que tenho, pelo único motivo de querer ser completamente feliz.
Não passa um único dia, em que não sonhe com o que poderia ter sido a minha vida, e em que a saudade não me assole a alma. É que além do mais, dentro de mim, no meu peito, do lado esquerdo, pulsa sem qualquer margem para dúvidas, um coração angolano.
Cafrializar-me eu?
Nunca.

Henrique Faria
Outubro de 2000. (a ouvir música africana).


terça-feira, novembro 28, 2006

CIRCULANDO

O pessoal que conduz, não sabe circular em rotundas. Nem os polícias sabem como se circula. Nem as escolas de condução ao que parece.
Há a mania de circular nas faixas exteriores e saír quando e onde querem. Perguntem aos vossos amigos como é que se circula em rotundas e verão se tenho ou não razão.
Pois bem, não é nada disso. A comprovar o que digo deixo a nota explicativa da DGV e o link.
Boa sorte!
Circular explicativa
Uma rotunda não é mais do que uma praça composta por um cruzamento ou entroncamento, onde o trânsito se processa em sentido giratório, contrário ao dos ponteiros do relógio. Quase todos os condutores têm presente que, ao aproximarem-se de uma rotunda, deverão reduzir a velocidade e dar prioridade a todos os veículos com motor que por lá circulem. O que muitos desconhecem, porém, é qual a faixa em que devem seguir quando circulam na dita rotunda.Ora, a “circular explicativa” divulgada pela DGV procura justamente dar algumas indicações aos automobilistas sobre a forma ideal de “escapar” ileso a uma praça desta natureza. Como refere a nota, “há que obrigar os condutores a circular sempre nas faixas interiores, sendo apenas permitida a passagem para a zona exterior no troço imediatamente antes da saída desejada”. Ou seja, o que deverá evitar a todo o custo é rodar na faixa exterior. Segundo fonte próxima da DGV, o grande objectivo é conseguir “evitar que as pessoas percorram toda a rotunda na faixa de fora, bloqueando a saída a outros veículos e gerando acidentes”, afirma.
Se não acreditam vão ver o link: http://automotor.xl.pt/aut/0903/a01-00-00.shtml

segunda-feira, novembro 27, 2006

sexta-feira, novembro 24, 2006

AQUECIMENTO GLOBAL


Acabei de ler o livro "uma verdade inconveniente".

Para quem se interessa há largos anos por este problema, o livro pareceu-me superficial na forma como aborda a questão. Talvez seja propositado, para chegar a mais gente.
Já o mesmo não posso dizer do relatório STERN. Pela sua seriedade vale a pena lê-lo exaustivamente, mas dele conclui-se o seguinte: " dentro de 40/50 anos sentiremos o impacto do que já fizemos contra o planeta. São efeitos que aparecerão na forma de desastres naturais, como secas, enchentes e furacões progressivamente mais intensos. Façamos o que fizermos agora, esses efeitos serão sentidos, são já irreversíveis. Tudo o que fizermos nas próximas décadas só terá impacto no fim deste século" (in Sábado").

De qualquer modo, o problema põe-se e, não para amanhã, mas para ontem. Qualquer que seja a filosofia política que se adopte, o resultado é sempre o mesmo: o problema existe e tem que ser resolvido já. Muita coisa se está a fazer, mas muito terá ainda que ser feito...principalmente por aqueles que mais deviam preocupar-se, ou seja os governos e à cabeça o mais poluidor. Os EUA claro.

No entanto do livro de Al gore ressaltam duas ideias chaves que acho excelentes.

Enquanto cidadãos, podemos individualmente adoptar estilos de vida que sejam compatíveis com menos emissão de gases com efeito de estufa, principalmente CO2. Também enquanto cidadãos deveríamos criar movimentos, que obrigassem as cidades onde vivemos, a adoptar regras que compatibilizassem a vida urbana, com níveis muito menores de CO2. Ao contrário do que os menos informados possam pensar, medidas muito simples, têm um efeito directo e importante na diminuição drástica da emissão destes gases.

Algumas ideias simples:
- usar nas habitações as chamadas lampadas de alto rendimento. São mais caras, mas duram bastante mais( cerca de 10.000 horas), e poupam energia o que verão nas facturas.
- vidros duplos e boa calafetagem. Por experiência própria reduzi em 2/3 os custos de aquecimento!
- Reduzir o consumo de água nos autoclismos. Se forem exteriores, ponham lá dentro uma garrafa de um litro de água cheia. Se forem interiores, têm um sistema de regulação que podem accionar. Pensem bem e, vejam o que podem poupar. Se uma casa usar um autoclismo em média 20 vezes por dia, poupa 20 litros. Ao fim do mês são 600 litros e, ao fim do ano 7200 litros. Se cada prédio tiver em média 30 apartamentos, poupa ao ano 216.000 litros. Façam as contas por diversão, ao que se poupa, numa cidade de 100.000 habitantes.
- usem energias alternativas sempre que possível. Não usem de todo lareira. A queima de combustíveis fosséis está na primeira linha de produção de CO2, principal gás a produzir o efeito de estufa.
- Tomem duche e não banho de imersão. Um bom duche gasta em média sete vezes menos água.
- Não deixem a água a correr, quando fazem a higiene matinal. Usem mas não abusem. Os nossos filhos esperam que lhes deixemos um planeta capaz!!!
Finalmente combatam a ideia mais errada de todas, baseada no pensamento de que sózinhos nada podemos fazer. CADA UM DE NÓS INDIVIDUALMENTE PODE FAZER A DIFERENÇA E, OS NOSSOS FILHOS APRENDERÃO CONNOSCO A FAZER ESSA DIFERENÇA!
Vejam agora algumas conclusões do relatório Stern, que pode ser consultado na NET.
Summary of Conclusions
There is still time to avoid the worst impacts of climate change, if we take strong action now. The scientific evidence is now overwhelming: climate change is a serious global threat, and it demands an urgent global response. This Review has assessed a wide range of evidence on the impacts of climate change and on the economic costs, and has used a number of different techniques to assess costs and risks. From all of these perspectives, the evidence gathered by the Review leads to a simple conclusion: the benefits of strong and early action far outweigh the economic costs of not acting.
Key elements of future international frameworks should include:
Emissions trading: Expanding and linking the growing number of emissions trading schemes around the world is a powerful way to promote cost-effective reductions in emissions and to bring forward action in developing countries: strong targets in rich countries could drive flows amounting to tens of billions of dollars each year to support the transition to low-carbon development paths.
Technology cooperation: Informal co-ordination as well as formal agreements can boost the effectiveness of investments in innovation around the world. Globally, support for energy R&D should at least double, and support for the deployment of new low-carbon technologies should increase up to five-fold. International cooperation on product standards is a powerful way to boost energy efficiency.
Action to reduce deforestation: The loss of natural forests around the world contributes more to global emissions each year than the transport sector. Curbing deforestation is a highly cost-effective way to reduce emissions; largescale international pilot programmes to explore the best ways to do this could get underway very quickly.
Adaptation: The poorest countries are most vulnerable to climate change. It is essential that climate change be fully integrated into development policy, and that rich countries honour their pledges to increase support through overseas development assistance. International funding should also support improved regional information on climate change impacts, and research into new crop varieties that will be more resilient to drought and flood.

Regressarei a este tema, com outras sugestões concretas, brevemente.

Aconselho vivamente estes "links":

www.climatecrisis.net
www.simplyinsulate.com
www.newdream.org
www..environmentaldefense.org
www.grrn.org/beverage/refillables/index.html

domingo, novembro 19, 2006

DRAMA

Dados recentes dizem-me que morrem anualmente em todo o globo 11 milhões de crianças!
Destas, sete milhões não atingem sequer o primeiro ano de vida.
Morrem de fome e, de doenças de que já não se devia morrer.
Bem sei, que são africanos, árabes, latino-americanos etc... e não são americanos nem europeus, mas mesmo assim!
Que raio de desperdício, para toda a humanidade.
Morre uma criança em cada três segundos.
Já vai sendo tempo de todos os povos se levantarem e fazerem justiça por suas próprias mãos!

quinta-feira, novembro 16, 2006

LITERATURA

Comprei sofregamente o "Livro dos rios" do Luandino.
Li-o de um assentada e, por isso tenho de voltar a lê-lo, desta vez com calma.
No fim dei comigo a pensar - porra, este gajo, devia ter ficado preso no Tarrafal para sempre. Foi aí que ele escreveu tantas obras primas da literatura de expressão portuguesa. "Lourentinho, D. Antónia de Sousa Neto e eu", ficará para sempre como uma dádiva sem preço.
E depois, bem depois, deixou-nos este tempo todo aguardando ansiosamente. Tanto tempo perdido...
O livro é deslumbrante.
Aguardo nervosamente a saída dos outros dois que completam esta trilogia...

FOTOGRAFIAS 1


BAÍA DO LOBITO ( VISTA DO LSC )

PRAIA MORENA - SOMBREIRO AO FUNDO


quarta-feira, novembro 15, 2006

FINALMENTE...

Finalmente, começo a ouvir falar, aqui e ali, de algo que já venho dizendo faz tempo. Os meus amigos mais radicais de esquerda, discordam com bonomia. Lá está ele de novo, com desvarios de direita. Mas não é verdade.
Falo eu, do fim desta era sindical. Para mim, neste momento, já não fazem parte da solução e são uma parte importante do problema. Eu explico.
Em qualquer democracia que se preze, as instituições vão cadenciadamente mudando os responsáveis. É salutar, traz sangue novo e afasta a ideia de poder eterno. O que é que nós vemos na rede sindical? Pessoas, que fizeram carreira, que mantêm os mesmos discursos anos a fio, incapazes de um voo audacioso, quanto mais de ideias novas. Têm ajudado a enterrar as estruturas que deveriam manter. E, não é preciso procurar muito. Basta ver para onde estão a encaminhar os professores mais incautos. Falo óbviamente, por exemplo, das aulas de substituição ou ainda da reformulação dos professores com horário zero, ou ainda desta pseudo greve dos alunos.
O movimento sindical há-de renovar-se, na reforma de tais responsáveis. Só não entendo, porque é que sempre acontece o mesmo. Numa carreira qualquer que ela seja há um momento certo de saír...pela porta grande, a da frente, claro.
Mas neste país criou-se o hábito de sair pelos fundos, de mansinho para passar despercebido.
Triste...triste este país.
Ou paísa, vá-se lá saber...

segunda-feira, outubro 30, 2006

FOTOGRAFIAS

IMBONDEIRO
CAOTINHA

RIO CATUMBELA


Onde...senão em África


RIO KUANZA





CACHOEIRAS




PRAIA - SUMBE





SANZALA - ALGURES A CAMINHO DO LOBITO

segunda-feira, outubro 23, 2006

CONTOS


DUAS VIDAS

Esta história, escrevi-a para a Filipa, que está a aprender a ler. Um dia, saberá que a escrevi a pensar nela.

É dedicada a todos os miúdos, mutilados no corpo e na alma, por guerras sem sentido,e a todos aqueles que lutam diáriamente para os ajudar.

Suku-Nzambi criou aquele mundo. Aquele e outros, todos os mundos. Suku-Nzambi, cansado pôs-se a dormir. E os homens saíram da Grande Mãe Serpente, a que engole a própria cauda.
Feti, o primeiro, no Centro foi gerado pela serpente de água e da água saíu. Nambalisita, no Sul, do ovo saíu, partindo a própria casca. Namutu e Samutu, os dois gémeos de sexos diferentes, pais dos homens do país lunda, da serpente mãe directamente saíram.
A obra de Suku-Nzambi estava completa. Mas nunca se interessou por ela. E a obra de Suku-Nzambi parecia esquecida de viver.
Até hoje os homens, parados, atónitos, estão à espera de Suku-Nzambi. Aprenderão um dia a viver? Ou aquilo que vão fazendo, gerar filhos e mais filhos, produzir comida para os outros, se matarem por desígnios insondáveis, sempre à espera da palavra salvadora de Suku-Nzambi, aquilo mesmo é vida?
In “Parábola do cagado velho”
Pepetela

João Simanco, estava há algum tempo sentado num dos bancos, debaixo daquele enorme caramanchão coberto de buganvílias, logo a seguir ao Porta-Aviões, na Praia Morena. ( O mesmo caramanchão, para onde fui tantas vezes namorar, e que ficará para sempre ligado ao Let´s Twist Again. Foi aí que o ouvi pela primeira vez, e talvez por isso, sempre que o ouço, sou invadido por uma enorme nostalgia.)
Tinha adquirido esse hábito, alguns anos antes, logo após ter chegado a Benguela, fugido da guerra que entretanto se instalara na zona do Cubal. Nunca antes tinha visto o mar, e o deslumbramento dessa descoberta, mantinha-se inalterado como no primeiro dia.
O Sol já se punha e esse era o seu momento preferido. Ver tanto azul, com um rasto vermelho de sangue até ao horizonte. Essa infinita quantidade de água, fazia-lhe lembrar as planícies imensas da sua terra natal , onde pastoreava o seu gado.
A vida não lhe tinha sido fácil. A falta de um braço, precisamente o direito, tinha condicionado toda a sua vida e tinha-o feito pastor. Tomava conta de todo o gado que havia na aldeia, ele, e outros como ele.
Aos 16 anos era um miúdo igual a todos os outros,com um futuro pela frente e mil anseios à espera de serem cumpridos. Um dia munido da sua zagaia e da sua catana, tinha ido caçar com outros miúdos, coisa que era habitual, mas esse dia marcou-o para sempre. Quando estava a emboscar-se, para atirar a uma cabra do mato, no preciso momento de retesar a corda do arco, inadvertidamente pisou uma surucucu, que em troca lhe mordeu a mão direita.
Longe do Cubal, e da sanzala, percebeu de imediato que tinha alguns minutos de vida. Rápidamente puxou da catana e cortou o braço, bem acima do cotovelo. Ainda teve forças para fazer um garrote e arrastar-se até à aldeia paterna. Aí como mandava a tradição, foi tratado pelo kimbanda, que recorreu a todos os pós, ervas e poderosas rezas. Mas como a tradição já não é o que era, ou porque o kimbanda era adepto das medicinas alternativas foi transportado ao Cubal, onde lhe administraram soro e antibióticos. Esteve longo tempo entre dois mundos, mas salvou-se. Jamais se saberá se foi a verdadeira medicina do kimbanda ou a medicina alternativa, que o salvou. Apesar de tudo, pagou um alto preço pela sua determinação e coragem.
Estava João, embrenhado nestes pensamentos, que lhe ocorriam frequentemente, quando viu a alguns metros um miúdo, com cerca de 12 anos, sem pernas, arrastando-se junto aos caixotes de lixo, disputando aos cães, os restos de comida que ninguém já queria. Era frequente vê-lo por ali, acompanhado de muitos outros miúdos menos estropiados, mas nesse dia, sem motivo aparente, decidiu chamá-lo e conversar um pouco com ele.
-Oh miúdo, anda cá.
-Como te chamas?

O miúdo lá veio, arrastando-se e disse:
- O meu nome é Samuel Jovete, e tu o que é que queres sékulo?
- Senta-te aqui só um bocadinho e conversa comigo.

João agora mais de perto, apercebeu-se que o miúdo, tinha um ar esquelético, barriga grande, cabelo desgrenhado, olhos encovados e envelhecidos e umas feições moldadas pelo pânico da necessidade de sobreviver. Nem um esboço de qualquer alegria.
- Onde estão os teus pais?
- Os meus pais, velho, morreram na guerra do Huambo. O resto da minha família, perdi-os quando fugiram. Eu fui trazido para Benguela pelos Médicos sem Fronteiras, para pôr umas proteses no lugar das pernas. Pisei numa mina quando tentava fugir. Mas, faz tempo já, me abandonaram aqui. Eu já não acredito. Ao principio, parecia um sonho, ía ter duas pernas novas, mas agora acabou. Não é fácil sonhar. Até já me alcunharam de meio-meio .
Aquele momento, sem que ele próprio o soubesse ainda, mudou a vida de João Simanco. Sempre tinha permanecido solteiro por opção própria, também quem é que iria querer um pastor, e ainda por cima incompleto? Jamais tinha conseguido juntar bens, que pudessem pagar um alambamento decente.
Sabia, por experiência própria, o que tinha sido a guerra do Huambo. O seu querido Cubal, também tinha passado pela mesma guerra fratricida. Irmãos matando irmãos, miúdos envolvidos naquele desatino quando deveriam estar a brincar, ausência de qualquer alegria, famílias destruidas para sempre e, para os que sobreviveram, pela frente perspectivas de nenhum futuro. Até Iemanjá, a grande deusa das águas se tinha desobrigado de qualquer intervenção apaziguadora, e constava-se que naquelas terras, até os rios tinham começado a correr ao contrário.
A angústia e o desespero daquele miúdo, tinham-lhe tocado bem fundo e decidiu de imediato, que talvez dois incompletos, um miúdo sem pernas e um velho sem um braço, pudessem juntar-se, e tentar viver uma vida melhor .
Além do mais João vivia na sanzala da família, e pelo menos comida ele podia oferecer ao miúdo. Há muito se tinha apercebido, da enorme catástrofe que se abatera sobre a sua terra, e da multidão de miúdos em idênticas condições, para quem o futuro nem sequer existia. E todos os dias se juntavam novos mutilados, a esta legião imensa. A juventude de Angola, andava literalmente e no melhor dos casos ao pé coxinho.
Ao menos tentaria que um deles tivesse comida, e calor humano. Era muito pouco, bem o sabia, mas pensava, que se todos fizessem o mesmo, talvez o futuro destes miúdos, não fosse tão negro.Além do mais, quem sabe o que poderia suceder?
- Olha Samuel, eu sou um velho maluco, mas estou como tu sózinho, neste mundo sem Deus. Vem viver comigo, que ao menos tens comida, e o futuro sabe-se lá.

Por um muito breve momento, os olhos de Samuel brilharam e contra tudo o que seria de esperar, provávelmente pela grande desesperança em que se encontrava, aceitou.
- Velho, moras longe? É que eu não posso andar longas distâncias, se é que se pode dizer andar.

João sorriu. O miúdo , era uma carga de ossos e mesmo com um braço podia carregá-lo fácilmente. E não estava assim tão velho.
- Vamos embora. Eu moro na sanzala junto ao Bairro da Peça, e posso nas calmas levar-te ao colo. Afinal tu és um meia dose, não pela falta das pernas, mas porque pareces uma pena.
Nessa noite, pela primeira vez, desde há muito tempo, Samuel teve uma refeição decente, quente, e dormiu numa esteira sua, dentro de uma cubata. Apesar de ser um sono inquieto, recortado como habitualmente, por imagens de horrores passados e presentes, sentia o calor de estar de novo, entre gente que o protegeria se fosse necessário.
Foi acordado pelos raios de sol, entrando pela cubata, e por um delicioso cheiro de café que entretanto o velho tinha feito.
Ainda estremunhado, viu entrar na cubata, uma mulher jovem.
- Miúdo, eu sou a Maria Saparalo . Sou sobrinha do velho João. Ele teve de saír e encarregou-me de tratar de ti, portanto ainda antes do mata-bicho, vou-te cortar o cabelo e dar-te banho. Assim pareces um bandido, daqueles muitos que andam por aí.
Dito e feito. Samuel, nem teve tempo de refilar. Viu-se com um pano à volta do pescoço, e a Maria de tesoura na mão. Findo o corte radical, foi de imediato metido numa selha e lavado. No fim teve direito a roupas limpas.
- Pronto, agora já pareces gente. Vais viver aqui connosco, tens pelo menos de não cheirar mal. Quando o velho vier, logo combinas com ele o que vais fazer.
- Maria, eu não vou fazer nada, como é que eu posso fazer alguma coisa? Sem as pernas, o que é que me resta para fazer?

- Miúdo, o teu pior defeito, não é a falta das pernas, é seres burro. Toda a gente pode fazer alguma coisa, tens é que te esforçar e pensar no que é que gostarias de fazer e de ser. Queres voltar para os caixotes do lixo? Achas que isso é vida, comer o que ninguém já quer, e ter ainda que dividir com os cães?

Após o mata-bicho, Samuel ficou durante muito tempo, ensimesmado, pensando na sua vida antiga, nos seus pais e irmãos, naquilo que poderia ter sido, pensando que o que ele sempre gostou de vir a ser era jogador de futebol. Mas, sem pernas? O que é que faz um miúdo sem pernas? Há jogadores assim?
O dia foi-se arrastando, Maria veio buscá-lo de novo para comer, e já à tardinha apareceu o velho.
- Então Samuel, como é que foi o teu dia?
- Deixaste-me aqui sózinho, veio aí uma maluca, que me cortou o cabelo rente, deu-me banho, xingou-me, e ainda perguntas como é que foi o meu dia?
- Samuel, a Maria é uma mulher dura, por tudo o que a vida lhe fez, mas dentro dela tem um coração de ouro. Verás isso quando a conheceres melhor. Seja como for, andei a tratar de planos para ti. Amanhã, começas na escola, tens que aprender as coisas, e depois logo se verá.
- Mas velho, como é que eu vou à escola, assim sem pernas?
- Na escola, não precisas das pernas. A gente pensa, é mesmo com a cabeça, e essa ainda não te cortaram, e a Maria já te disse, vai-te levar e trazer.
De facto Maria, lavadeira toda a vida, era também refugiada, oriunda do Longonjo . Na mesma guerra, em que o Samuel tinha perdido os pais, tinha ela perdido o marido, e tinha visto morrer um filho, vítima de uma explosão de napalm lançado por dois aviões, da qual só escapou milagrosamente.
Teria preferido morrer certamente, mas a morte tem destas coisas, ceifa indiscriminadamente. Mas, Maria Saparalo, não era mulher que se dobrasse a qualquer infortúnio, e acreditava que se a morte a tinha poupado, lá teria os seus desígnios. Por isso, seguiu em frente com uma coragem verdadeiramente exemplar. Vivia amancebada com um mecânico de automóveis, embora a situação actual tivesse feito dele um polivalente, mas nenhum deles tinha filhos. Talvez por essa razão, tomou conta de Samuel como se do seu filho se tratasse.
Decorridas duas semanas, já o menino, se apresentava muito melhor fisicamente, ía contrariado à escola mas ía e a sua cara de vez em quando, muito raramente já mostrava um esboço de sorriso.
Um entardecer, aparece João, com uma cadeira de rodas, enfim, mais ou menos. O companheiro da Maria, já vimos, era mecânico, e tinha arranjado no ferro-velho dois aros de bicicleta. A partir daí, com madeiras e a ajuda de um carpinteiro, tinham fabricado a dita cadeira de rodas. Sem pneus que isso já eram mordomias, mas para o Samuel, quando a viu pareceu-lhe um carro de luxo. E para completar, a Maria fabricou-lhe umas luvas de lona e pano, daquelas a que faltam os dedos, próprias para conduzir.

A partir desse momento, passou a ver-se o Samuel completamente independente. Corria Benguela inteira, tratando da sua vida. Ou da vida dos outros, pois era frequente pedirem-lhe para fazer recados. Era conhecido junto dos amigos, pela sua alcunha favorita: Ayrton Sena.
Numa dessas deambulações, e a troco de um qualquer serviço, arranjou um canivete, e foi como se um mundo novo se tivesse aberto.
Começou a brincar com pedaços de madeira que ía toscamente esculpindo, e com o tempo, começou a esculpir bonecos de artesanato, que se foram tornando progressivamente melhores. Arranjou outras ferramentas, e das suas mãos passaram a saír objectos, absolutamente maravilhosos.
Juntos, ele e o velho João, percorriam as ruas vendendo os objectos que ele ía fazendo. O dinheiro embora pouco, permitia-lhes terem algumas comodidades, a que nem sequer estavam habituados.
Ao mesmo tempo, a amizade entre estes dois ía crescendo, de tal modo, que o tempo que Samuel estava ausente ou porque estivesse na escola, ou porque estivesse na brincadeira com outros miúdos, se tornava penoso para o velho.
Um dia, já Samuel estava na 4ª classe, estavam a vender as suas estátuas, junto ao antigo Liceu na Praia Morena, quando foram abordados, por um branco que passava.
- Miúdo, quanto custam as tuas estátuas? És tu que as fazes?
- Sou eu chindere . Custam 10.000 kwanzas cada uma.
- Olha, são todas muito bonitas, mas eu não quero nenhuma. Aquilo de que eu ando à procura é de um elefante em pé sobre as patas traseiras. Se me fizeres um, eu compro-te.

Samuel, pensou que o pedido era bem estranho, onde já se viu um elefante em pé, mas já se tinha também habituado, aos estranhos costumes desses brancos estrangeiros, que tinham invadido a sua terra. Além do mais se lhe pagassem faria qualquer objecto.
- Está combinado. Dentro de três dias está pronto.
- Óptimo, que eu vou para Luanda para a semana, só estou aqui de férias.

Foram bastantes horas de trabalho. O pedido era dificil , e ele nunca tinha feito uma escultura daquelas, mas no dia aprazado, lá estava o estranho e lá estava o Samuel com o seu elefante.
- Olha, miúdo tenho pensado muito em ti. É raro ver alguém tão novo e com tamanha habilidade. É uma pena o que te aconteceu, mas vamos combinar o seguinte. Eu sou médico, e por acaso tenho alguma influência em Luanda. Não te prometo nada, mas pode ser que consiga alguma coisa. Vou levar a tua direcção. Quanto ao elefante é de facto muito bonito e ficarei com ele.

Samuel, não respondeu.
A vida tinha-lhe ensinado, que não era fácil sonhar, e já lhe tinham prometido umas pernas novas. Embora soubesse que o trabalho dos Médicos sem Fronteiras, era meritório, tinha consciência que era um entre muitos milhares de meninos nas mesmas condições, e deixara há muito de acreditar que a sorte poderia estar do seu lado. De qualquer modo, ficou agitado nesse dia e nos seguintes. Nada que o velho lhe fizesse o conseguia animar. Os próprios estudos se ressentiram disso, mas apesar de tudo conseguiu passar na 4ª classe. Vieram as férias grandes e pela primeira vez foi frequentar o Liceu. Não o velho Liceu da Praia Morena, tão cheio de tradições e memórias para quem o frequentou, mas para o liceu novo, lá para os lados do aeroporto.
Já o segundo período ía a meio. Um dia no regresso a casa, vê o velho que vinha esbaforido ao seu encontro.
--Samuel, chegou carta de Luanda. Tens que te apresentar dentro de quatro dias para ires para a Alemanha .O médico demorou, mas cumpriu.

Tudo aconteceu muito rápido. Samuel nem teve tempo de se aperceber do que estava a acontecer. Viu-se metido dentro de um avião militar, esteve três dias em Luanda e ei-lo a caminho da Alemanha, juntamente com outros miúdos mutilados como ele.
Passaram-se dois anos. O velho João definhava com a falta de notícias. Só de longe em longe ía sabendo por terceiros que Samuel estava vivo. Já tinha até perdido a esperança de o voltar a ver. Miúdo mal agradecido, pensava ele. Depois, de tudo o que fiz por ele, esqueceu-se de mim. É o mal desta juventude angolana. Não conhecem nada a não ser a guerra, os pais morreram e eles habituaram-se a viver sós e a depender de si mesmos. Provávelmente, não volta, também quem é que voltaria para um pobre pastor como eu?
Mas, a vida é isso mesmo, um baile de cicatrizes. Há que aguentar mais esta.
Um dia, ao entardecer, como habitualmente João estava sentado no seu banco favorito a ver as planícies imensas da sua terra natal.
Naquela altura em que o sol já é apenas morno, e se sente na pele como uma carícia, naquela altura em que o mar já só é vermelho, vê aproximar-se do lado do Porta-Aviões, um adulto jovem, alto, bem parecido, que chegou e se sentou a seu lado, sem dizer uma única palavra. Ficaram os dois longo tempo a ver o mar.
- Avô, já é noite. É tempo de regressarmos a casa.

NOTA: Samuel é hoje, um membro importante da Christien Children Fund, e bate-se árduamente por todos os miúdos daquele continente, que tiveram uma sorte semelhante à sua. Por sua iniciativa, muitos miúdos em diversos países, já foram restituidos a uma vida normal. O seu avô, acompanha-o para todo o lado, mostrando no rosto, o orgulho imenso do seu neto. Apesar da insistência de Samuel, nunca permitiu que lhe pusessem uma prótese.
Afinal, cumpriu o seu destino de pastor. Só que desta vez, de almas.
Quanto ao elefante, por obra do destino, está em meu poder, e é uma lindíssima peça de artesanato africano.
Todos os factos narrados nesta história, são quando tomados isoladamente, verdadeiros. A ficção aparece quando resolvi juntá-los. Apenas para dizer, que o sofrimento daquele povo, é meu também.

GED FARHE.

sexta-feira, outubro 13, 2006

PORTUGUESES CÉLEBRES

É o título de um novo programa de televisão. Nada me chamaria a atenção, não fosse a discussão gerada em torno do facto, de porem ou não porem lá o nome do bafiento Salazar.
E, isso trouxe-me de novo alguns anos atrás.
Sinto-me muito feliz, por os meus filhos e netos, não terem conhecido tal personagem. Sinto-me muito feliz, por ver que eles olham para esse nome, como um personagem da história de Portugal. Em boa verdade, eles também sabem que foi um ditador, um dos piores tiranos do século XX, responsável pela morte de muitos portugueses e africanos. Na altura, viviamos num país em que era proibido quase tudo e, não era a brincar. Quem fosse apanhado pela famosa PIDE, no mínimo batia com os costados na cadeia, era sujeito às piores torturas e se tivesse sorte, ia fazer a guerra na Guiné, ou noutra ex-colónia qualquer.
Quem viveu nesses tempos, jamais os poderá esquecer; um país amarfanhado, medo de falar, livros proibidos, olhar por cima do ombro...
Agora..., agora a direita quer aproveitar para branquear esta imagem e, para isso nada melhor que este programa com grande visibilidade.
Vivemos em democracia, felizmente, e isso permite-nos lutar contra isto, quanto mais não seja escrevendo blogs.
Mas, pela minha parte, continuarei a dizer aos meus filhos e aos meus netos, que apesar de quererem colocá-lo entre os portugueses célebres, ele apenas será célebre pela negativa. Em circunstancias normais, seria hoje julgado por crimes contra a humanidade. Apesar de tudo, creio firmemente que façam o que fizerem, a História é implacável.
Terá de direito o seu lugar na galeria dos tiranos ao lado de outras figuras pouco recomendáveis.

sábado, setembro 23, 2006

DESESPERO

24.09.2006
Estamos a oeste da Europa! O mais oeste possível. Mais um pouco e estariamos no mar. Talvez por isso, temos problemas e uma batalha que não venceremos tão cedo. Não vale a pena queixarmo-nos dos políticos e de tudo o resto. A causa do atraso é nossa. A culpa é de todos nós, por sermos incapazes de vencer esta batalha.
A que é que me refiro?
À nossa educação claro. E, não, não me refiro à escolar e sim àquela básica que nos permite conviver uns com os outros em paz e com decência.
Basta ver a maneira como se reage em situações de tensão. Nunca civilizadamente, mas sempre aos gritos, para melhor sermos ouvidos e, para sermos filmados por uma qualquer televisão. Roçamos a histeria gratuita. Os exemplos são diários na televisão.
E que dizer da condução em estrada? Eu defendo que os carros aqui deviam ser mais baratos. Pois, se ninguém usa pisca! Já repararam na cara dos condutores ao vosso lado? Olhem, e mirem-se a um espelho. Isto não é uma guerra.
Que dizer da violência, nem sempre verbal exercida sobre os professores? Alguém já parou para pensar que eles estão lá a tentar educar os nossos filhos? A maior parte das vezes a fazer o nosso trabalho de casa?
Já repararam que sempre que alguém pergunta se lemos, toda a gente diz que sim, que tem vários livros à cabeceira. Instados a concretizar ninguém se lembra do que anda a ler!!!
E que dizer dos concursos de televisão, que se pretendem culturais. A ignorância geral é medonha.
Pois é. Posso continuar a escrever indefinidamente, mas o facto real é que a educação no que ela tem de mais básico, ainda não foi alcançada.
E por este andar cada vez nos atrasaremos mais.

domingo, setembro 10, 2006

A PAÍSA

Tenho um amigo, desde os tempos da Universidade. Na altura eramos de esquerda, não filiados, pois achavamos que as teses comunistas do princípio do século, fabricadas para a sociedade de então, em princípio de industrialização, precisavam de ser revistas e adaptadas. Essa posição custou-nos dissabores vários e o apelido de fascistas de esquerda.
Tantos anos depois, continuamos de esquerda e não filiados, o que continua a causar-nos dissabores. Agora já não nos chamam fascistas, mas acham que somos perigosos esquerdistas. Na verdade, achamos que ser de esquerda é um acto natural e, não fizemos como tantos que todos conhecemos, que chamaram a isso um devaneio da mocidade e mudaram os azimutes para a direita de todos os matizes.
Vem isto a propósito do titulo deste "post". É que esse amigo dizia-me: sabes? eu acho que este país não é um país. É uma paísa. Hoje, quando estou com ele digo-lhe sempre: este país ainda é uma paísa!

Como qualquer português, tenho direito a ter uma opinião sobre o que se passa. No entanto, aqui apenas colocarei aquilo que achar mais ridículo, mais vergonhoso e sem explicação possível numa sociedade saudável.

10.09.06
A propósito da modificação das carreiras médicas agora em curso e para entrar em vigor em Janeiro de 2007, pode ler-se o seguinte: "Pelo trabalho prestado em regime de prevenção não acresce qualquer remuneração, ainda que ocorra a presença física do médico durante parte ou a totalidade do tempo a que se refere aquele regime". Não comento.

11.09.06
Há dias fomos surpreendidos, pela notícia aparentemente nova de que se tinha conseguido um pacto de regime, na área da justiça. Pompa e circunstância. Aparentemente tudo estava bem e os portugueses felizes. Não era para menos. Pelo menos uma vez, os políticos demonstravam bom senso e preocupação com o cidadão eleitor. Depressa se percebeu que havia gente que poderia ter assinado o pacto, alargando assim o consenso, mas que não assinou, pois aparentemente não foram sequer ouvidos. Não comento.
26.09.06
"Não contem aos nossos filhos"
Há dias, fui surpreendido enquanto almoçava e aguardava o telejornal. Dava na altura um daqueles programas de grande nível cultural, que costuma infelizmente acompanhar as manhãs dos reformados. É assim neste país. Ainda há quem ache que os nossos velhos são atrasados mentais. Nesse programa a vedeta era uma senhora que confessava aos locutores babados, que se tinha prostituido em determinado período da sua vida, com o consentimento do marido, para melhorar o nível de vida familiar. Tudo muito bem explicado e com uma roupagem intelectual a vestir esta façanha. Entretanto tinha escrito um livro "não contem aos nossos filhos", que de todo não vos aconselho a ler. Se a coisa é tão desdramatizada e feita num contexto tão honesto, então porquê esconder esta verdade?
Pressupõe-se que com pais tão intelectualmente superiores, os filhos perceberiam na integra, que não havia qualquer problema no facto.
Enfim!
Já agora, mulheres do meu país, deixem-me dizer-vos que a esmagadora maioria de vós, continua a ter a nossa mais profunda admiração.

FUTEBOL

Eu gosto muito de futebol... mas assim não dá.
Não há disso em Portugal.
Há maus jogos, corrupção sem limites, ninguém é castigado, os árbitros é o que se vê, os dirigentes vão todos pelo mesmo caminho, os jogadores ganham milhões sem o merecerem e, prometem no fim que no próximo domingo é que é!!
O público que paga devia tomar uma atitude. Não ir aos jogos em sinal de protesto.

10.09.06
Hoje fui ao futebol. Regressei a casa com a convicção profunda de que devo fazer a minha parte. Não volto lá.

14.09.06
Apito dourado: ao fim deste tempo todo, finalmente alguém descobriu que a corrupção instalada, não pode ser punida, porque os mecanismos para isso, poderão ser (serão com toda a certeza) inconstitucionais. E, assim vamos caminhando alegremente. Loureiros, Pintos, Vieiras e muitos mais riem-se de todos nós. Principalmente de quem governa e, dos tolos em que todos nos transformamos.