quarta-feira, março 30, 2022

VATICANO

 


Cidade do Vaticano, 28 mar 2022 (Lusa) - O Papa Francisco inicia a partir de hoje reuniões com representantes dos indígenas canadianos inuítes, métis e primeiras nações, no âmbito de um pedido de perdão da Igreja Católica pelos abusos sofridos durante os processos de assimilação forçada.

O Papa Bento XVI já tinha pedido desculpa pelo ocorrido nas residências escolares estabelecidas pelo Canadá no final do século XIX dedicadas à população indígena e que funcionaram até 1997.

Mas a descoberta em 06 de junho dos restos mortais de 215 crianças, estudantes da Kamloops Indian Residential School, na província de British Columbia, reavivou a tragédia dos povos originários do Canadá e o seu pedido de justiça.

“Uma delegação de 32 anciãos indígenas, guardiões do conhecimento, sobreviventes de escolas residenciais e outros jovens ativistas chegou a Roma”, informou a Conferência Episcopal Canadiana que os acompanha.

Os encontros privados com o Papa ficam concluídos em 01 de abril com uma audiência no Palácio Apostólico, com a participação conjunta das delegações e da conferência episcopal canadiana durante a qual Francisco terá a oportunidade de dirigir-se a eles, informou hoje o Vaticano.

Esta reunião foi adiada devido à pandemia de covid-19, enquanto os indígenas pediram ao Papa que visitasse o Canadá para se desculpar oficialmente pelos horrores cometidos pela Igreja Católica.

Francisco já tinha manifestado a sua intenção de visitar o Canadá após o convite da conferência episcopal do país na sequência da descoberta de centenas de corpos indígenas numa instituição católica e embora não seja oficial, a viagem poderá ocorrer este ano.

O governo canadiano confiou a instituições católicas, anglicanas e protestantes a educação de crianças indígenas que foram retiradas de seus assentamentos, mesmo sem o consentimento de seus pais, e nesses internatos foram proibidos de usar o seu nome, a sua língua e as suas tradições.

Nesses centros, onde muitos deles estavam desnutridos e morreram de doenças, não receberam a mesma educação que as restantes crianças canadianas, mas receberam tarefas domésticas ou outros empregos.

Estima-se que entre 1890 e 1997 cerca de 150.000 crianças indígenas foram internadas à força em centenas de residências escolares e cerca de 4.000 morreram durante a sua permanência em residências escolares.

quinta-feira, março 24, 2022

sexta-feira, março 11, 2022

ANGÚSTIA

A frase mais comum hoje em dia, a propósito de tudo e de nada é: como é que isto é possível no século XXI?

A humanidade no seu todo, começou a "pensar" que este século era a panaceia para todos os males. Já tinhamos atingido um grau de civilização tal, que tudo havia de correr bem. Na verdade, esta ilusão vem do facto de ter surgido uma nova "ferramenta" que dá pelo nome de redes sociais. A partir desse momento, toda a gente tem opinião, sabemos tudo sobre a vida de cada um, o que comeu ao pequeno almoço, partilhamos todos os segredos da boa cozinha e das dietas milagrosas, tudo misturado com um bocadinho de religião, que fica sempre bem. É impossível não saber o aniversário de alguém, as intimidades das pessoas (nem sempre recomendáveis), criou-se uma nova raça de cientistas, os "influencers", e pasme-se toda a gente tem opiniões sobre tudo e todos.

Mas, tudo muda de figura, quando começamos a falar do que realmente importa, da cultura e da elevação como ser humano. Se perguntar quem foi Leonardo, ou Saramago, ou simplesmente António Nobre, corro o sério risco de ser apelidado de fascista e neonazi. Apenas porque é fácil mostrar que nas redes sociais, ao lado de alguma gente boa, pululam multidões infindáveis de imbecis.

A única idade de ouro da história da humanidade chama-se Renascença. Tentem falar com essa gente, dessa época. Tentem saber o que é que eles pensam dessa época. Nada. Mas perguntem-lhes pelas Kardashians e afins e terão conversa para várias horas.

Fico estarrecido, porque essas multidões votam para a formação de governos de países. Basta ver como os políticos de todos os partidos baixam o nível para atingir essas massas. O mundo actualmente tem governantes à medida desse povinho.

Experimentem colocar o mapa mundo e pedir aos ditos cujos que apontem os países que vocês forem dizendo. A maior parte da massa a que me refiro, não sabia onde ficava a Ucrania, em Janeiro de 2022. Apesar de falarem das republicas separatistas, do horror da guerra, dos seus motivos, uma boa percentagem continua a não ser capaz de apontar no mapa o sítio exacto da Ucrania. 

Se não acreditam no que eu digo, vejam este vídeo, e prometo que vale a pena assistir. E tremer de angústia. Homo sapiens, sempre! 




quarta-feira, março 09, 2022

A terrível hipocrisia da resposta do Ocidente aos refugiados (opinião)

 CNN , Opinião de Arwa Damon

 Nota do editor: Arwa Damon é a premiada correspondente internacional da CNN, geralmente sediada em Istambul, e presidente e cofundadora da instituição de beneficência INARA. As opiniões expressas neste comentário são da própria.



Vejo imagens paralelas nas inundações de humanidade que chegam até mim. Uma acontece mesmo à frente dos meus olhos, na fronteira Ucrânia-Polônia. Mãos grandes que agarram as pequeninas, pequenas cabeças apoiadas em ombros cansados, o zumbido constante das rodas das malas. Vejo rostos paralisados pelo choque, marcados pelas rugas do trauma que nunca irão desaparecer completamente. Os olhos vidrados em pura descrença, as mentes incapazes de compreender as vidas que deixaram para trás.

A outra imagem sobrepôs-se na minha mente, criada pela enchente de memórias de quando fiz a cobertura da crise dos refugiados de 2015. Naquela época, multidões espremiam-se contra o arame farpado na fronteira Grécia-Macedónia. Uma mãe embalava o seu bebé debaixo de uma lona de plástico, à chuva. Um pai levantou no ar a sua filha febril e apática e disse: “Olhe para ela, olhe para o estado dela. Na Síria, ela era uma princesa.”

Atualmente, parece que o mundo acordou e finalmente percebeu quão implacável e assassino é o governo russo. Como se há anos os sírios não morressem com as mesmas bombas russas. Como se as inúmeras vozes sírias não implorassem ajuda ao mundo. Na altura, perguntaram-me: “Porque é que o mundo não se importa connosco?” Mas eu não poderia responder sem destroçá-los ainda mais. Como dizemos a alguém que a sua vida não faz parte de um cálculo geopolítico? Que no grande esquema dos mestres de marionetas, a vida deles não vale assim tanto?

Penosamente, estamos a ver que os refugiados são acolhidos seletivamente e os criminosos de guerra são punidos seletivamente. Não são apenas os média ocidentais que são tendenciosos; é todo o mundo ocidental. Ouço isso na retórica vinda de políticos, jornalistas e líderes globais. Retórica sobre como os ucranianos são um “povo próspero de classe média”, “a família da porta ao lado”, “civilizados”. Como se o que define um ser humano digno de ser salvo fosse identificado pela cor da sua pele, a língua que fala, a religião que pratica ou onde nasceu.

A verdade feia é que a nossa humanidade é superficial. E isso parte-me o coração.

Hoje, na Polónia, vejo a beleza do que pode acontecer quando os refugiados são acolhidos. Quando a bondade e a compaixão recebem aqueles que fogem das suas vidas. Quando centenas de voluntários esperam por autocarros atrás de autocarros com placas a oferecer viagens gratuitas e lugares quentes onde ficarem. Quando as forças de segurança do país anfitrião facilitam o movimento, providenciam informações e abrigo. Quando um estranho diz: “Está tudo bem, já está em segurança, o que posso fazer por si?”

Mais uma vez, volto ao que acontece quando os refugiados não são bem-vindos. Em 2015, nenhum dos restaurantes ou cafés à volta da estação de comboios de Budapeste, na Hungria, permitia a entrada de refugiados. Aqueles que fugiam foram reunidos como gado pelas forças de segurança até conseguirem romper as barreiras e fugir. Quilómetros e quilómetros de pessoas a andar a pé, à espera e a rezar para que alguém lhes mostrasse misericórdia. Na altura, havia muita retórica contra os refugiados por parte dos governos e das populações da Europa, envolta em receios de que o Daesh se infiltrasse, que aqueles na estrada eram “demasiado diferentes”. E sim, isso também foi durante o auge dos ataques do Daesh na Europa. Mas também foi durante o auge dos ataques do Daesh e de outros grupos terroristas na Síria, no Iraque, no Afeganistão e noutros locais.

No centro disto está a triste realidade de os refugiados sobre quem falei no passado serem do Médio Oriente, do Norte de África e do Afeganistão, e serem considerados “os outros” por muitos no mundo ocidental. E, por alguma razão, isso fazia com que ninguém se identificasse com a dor e o sofrimento deles. Eu disse ao mundo, na CNN, que os sírios são como qualquer outra pessoa; eles tinham sonhos, casas, uma sensação de segurança em que acreditavam. Eu senti que não estava a ter ressonância, que não estava a ser ouvida. Para a grande maioria de nosso público ocidental, eles continuaram a ser “os outros”.

Enquanto jornalista, pergunto-me muitas vezes se, de alguma forma, eu falhei naquela época. Como poderia ter contado as histórias de refugiados de forma a que o mundo se importasse? Carrego essa culpa comigo há anos, ainda hoje. Porque certamente haveria uma maneira de mostrar ao mundo ocidental - o mesmo mundo que agora está ao lado dos ucranianos - que os sírios, os iraquianos, os afegãos e outros povos que seguiram este mesmo caminho pela Europa, são exatamente como eles. Sou de ascendência árabe e americana, mas a minha aparência - pele clara, olhos verdes, cabelos louros - está tão fora do estereótipo árabe, que ninguém questiona o meu lugar. Vejo rostos sírios e iraquianos nos ucranianos. E sou levada de volta à Grécia, em 2015, quando uma senhora síria, idosa e elegante, a fugir para um lugar seguro, na lama, me agarrou no braço, o seu toque tão suave quanto o da minha avó.

Lembro-me que, nesse mesmo ano, uma mulher na Hungria nos pediu para não a filmarmos. Não porque estivesse preocupada com a segurança da família, ainda na Síria, mas porque não queria que a vissem humilhada, suja e sentada no chão.

Esta semana, olhei para as mulheres e crianças ucranianas que entravam nos autocarros que as esperavam, e senti-me tão aliviada por a história de refugiados delas ser tão diferente. Nem tudo foi mau. Testemunhei alguns momentos emocionantes em 2015. Pessoas na estrada que liga a Hungria à Áustria, paradas com carrinhos, comida e água para os refugiados. A pedirem desculpa pelo comportamento dos seus governos, dizendo: “Não somos todos assim.” E em pontos de encontro improvisados, os esforços locais acabaram por se juntar aos de instituições de beneficência maiores, para fornecerem abrigos básicos. Mas nada disso se compara ao que estou a ver aqui na Ucrânia e na Polónia.

Em todos os centros de realojamento de refugiados e passagens fronteiriças, há montanhas de roupas, bonecos de peluche, carrinhos de bebé e muito mais. Um sistema completo e um exército de voluntários, a trabalharem em conjunto para ajudar os ucranianos em fuga.

Lembro-me de quando a então chanceler alemã Angela Merkel disse que o seu país receberia um milhão de sírios. Os refugiados com quem eu estava na Hungria começaram a chorar de alegria; finalmente sentiam-se bem-vindos e não tratados como lixo indesejado. Mas, com o passar dos meses, a grande solução da Europa foi chegar a um acordo com a Turquia para fechar a rota dos migrantes, deixando num limbo os que já estavam no caminho.

Sete anos depois, muitos deles ainda estão nos mesmos campos e centros improvisados, as suas vidas estagnadas. Algumas crianças nascidas nos campos nunca conheceram um verdadeiro lar. É provável que muitos não saibam que os sírios ainda estão nestes campos improvisados.

Eu comparo essas memórias com o que está a acontecer no mundo inteiro, atualmente, com tantas nações a declarar que todos os refugiados ucranianos são bem-vindos. Vejo países ocidentais a oferecer vistos de residência de um ano a esses refugiados, autorizações de trabalho e trânsito livre para outros países.

Vejo como as potências ocidentais e outras expressam indignação face ao que se passa na Ucrânia, os mesmos países que, na melhor das hipóteses, falaram da boca para fora quando se tratou da Síria, e os outros que simplesmente ficaram calados. Vejo país após país, ocidentais e outros, unidos para pressionar a Rússia, a aplicar sanções mais duras do que nunca. Vejo empresas de cartões de crédito a negar o seu uso na Rússia, companhias aéreas a interromper serviços e os produtos a serem boicotados. Não importa de onde sejam, as emoções dos refugiados são muito parecidas: a incapacidade de compreender como a sua realidade se alterou de forma tão repentina e violenta, e a culpa dos sobreviventes que assola aqueles que fugiram, mesmo que para salvar os seus filhos, mesmo que, racionalmente, fosse a única opção.

Cada guerra é diferente, os seus contornos traçados por poderes maiores que o indivíduo e pela ganância e crueldade da geopolítica. Mas o sofrimento das pessoas apanhadas no braço de ferro continua a ser a mesma. A agonia de perceber que não só o seu país já não é seguro, como pode até deixar de existir. Aldeias e cidades onde os pezinhos corriam e brincavam à apanhada, estão agora reduzidas a escombros. As cozinhas e salas onde as famílias se reuniam para as refeições e os casais discutiam, foram transformadas em cinzas. As cabeças entre as mãos, os ombros a tremer, as almas a gritar.

Esse sofrimento é universal. Como deve ser a reação a ele.