Desde do alvores do chamado Paleolítico Superior na Europa ou a Later Stone Age na África Austral que o homem deixa marcas da sua passagem. Da passagem cultural, melhor dizendo, das suas construções ideológicas, da sua concepção do mundo que o rodeia, ou simplesmente das suas expetactivas económicas.
Em 73 numa das nossas deslocações aos locais de interesse arqueológico, chegou-nos a informação, na JAAE de Benguela, que um senhor, o Sr. Rosa, conhecia um lugar onde havia umas pinturas estranhas perto da Chimalavera ( reserva natural).
O nosso professor, arregalou os seus olhos e, o prestável senhor logo se prontificou a levar-nos ao local. Lá fomos.
Percorremos a corta-mato uma dúzia de Kms por terras secas cheias de bissapas - unha de gato, chegamos ao lugar chamado de tchitandalucúa, onde não se via viva alma. Sem possibilidades de prosseguir com o Land-rover apeamo-nos. Logo debaixo dos nossos pés reparamos que o chão estava pejado de lascas de sílex, de quatrtzo que identificamos ter sido obra humana.
Uma série de pontas de seta, lâminas, raspadores clássicos, enfim uma panóplia nunca vista. Tínhamos descoberto talvez a maior jazida ao ar livre que tive oportunidade ( e o nosso professor) de conhecer, de material trabalhado segundo a técnica de Levalois. Saltámos todos de júbilo.
Como se fazia tarde, o Sr. Rosa logo nos apressou, dizendo que ainda tínhamos que percorrer, a pé, pela mulola, umas centenas de metros para chegar às pinturas.
O rio seco tinha cavado num sedimento cinzento, uma espécie de kenyon com uma dezena de metros de profundidade e com meia dúzia de metros de largura. Finalmente, já com necessidade de beber umas litradas de água, deparámo-nos com uma espécie de gruta cavada pela erosão da mulola, com duas entradas, perfuradas na rocha sedimentar (siltstone) com uma câmara não mais de 4X3 e com dois de altura máxima.
Ao fundo e quase no tecto, tinha então sido pintado três conjuntos de pinturas a branco. Uma com dois pares de linhas circulares concêntricas com linhas transversais orientadas para o centro da figura; outra com apenas um par e com uma linha cruzada ao centro e finalmente um outro conjunto com figuração antropomórfica e zoomorfa associadas, que parecia claramente tratar-se de um cavaleiro.
Apesar dos círculos concêntricos serem comuns na arte rupestre de todo o mundo, parecendo estar relacionada com a visão do cosmos, já a do "cavaleiro", em Angola é inédita.
Apesar dos círculos concêntricos serem comuns na arte rupestre de todo o mundo, parecendo estar relacionada com a visão do cosmos, já a do "cavaleiro", em Angola é inédita.
De imediato pensamos que se tratava da representação de um europeu ( é claro sempre a visão europeista). Mas depois passado uns anos, pensei que bem que poderia ser de um bantu montando um "boi cavalo", que é usado por exemplo, entre os Kwanyamas ou pelos Mdombes.
Pelo estado da tinta branca é bem possível ter sido pintada há umas centenas de anos ( esperamos que os nossos arqueólogos de Benguela já tenham feito análises à tinta e tenham já datações) mas seguramente depois do século XIII, altura em que terão chegado os bantu ao local, a fazer fé que se trata de um homem e um animal. ( ou serão dois homens um deitado sendo massacrado por outro?)
Quanto aos autores, será ainda mais difícil. Terão sido os artesãos das peças líticas? se assim for, terão sido provavelmente os antepassados dos Vassekeles ou dos Cuíssis. Os mdombes? embora eu não tivesse visto nada neles semelhante, no seu artesantato, que lembre os círculos concêntricos.
Infelizmente, não pudemos continuar as pesquisas.
Mas trata-se das únicas pinturas rupestres localizadas mais a ocidente em toda Angola ( até agora, que saibamos). Para comemorar e tirar o pó das gargantas, fomos todos jantar ao Salvado da Baía Farta, e o menu foi invariavelmente caranguejos e muita cerveja.
As fotos foram tiradas pelo Professor Vitor de O. Jorge na única visita que efectuamos e estão publicadas no jornal " Província de Angola" de 1974 ( não tenho mês e dia apontados) incluídas num artigo de que fui co-autor.
4 comentários:
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Mais uma lição magistral do nosso amigo.
Mas...para quê ler em segunda mão, se podemos ler na integra estes textos maravilhosos no blog dele mesmo que eu apelidei de arqueologia. Sigam o link que não se vão arrepender.
Grande abraço.
henrique
Henrique:
O teu blog não é de 2º mão não senhor. Na verdade, tinha escrito e acabado de publicar o artigo, quando li que fazias anos e, de imediato resolvi oferecê-lo. Não quis desvalorizar o teu sítio e tenho muito gosto em contribuir para que seja um bom local de consulta, em primeira mão, claro está.
Um abraço amigo
Jorge
Em segunda mão não tinha sentido pejorativo e eu fiquei muito feliz com a prenda.
Apenas quis chamar a atenção para o teu fantástico blog.
Um abraço
henrique
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